Investindo em elefantes e gatos

Mexeram, de novo, na nossa poupança. Mexeram, só um pouquinho, no pouquinho que a gente ganha. Desta vez foi a Dilma e por bons motivos, eu sei, mas tenho trauma desse negócio. Ainda me lembro de quando o Collor pensou que nós estávamos com a poupança exposta na janela e passou a mão nela. Foi um deus-nos-acuda. Quantos velhinhos faleceram ao ver o extrato bancário! Estavam sem meios para pagar suas contas. O medo de um futuro miserável e a possibilidade de que seus credores os imaginassem caloteiros provocaram ataques fulminantes. Morreram de medo e vergonha.

Quem sobreviveu teve que aprender a lidar com novos transtornos financeiros. Todo o know-how adquirido em anos de luta contra a inflação não servia mais para nada. Antes até conseguíamos salvar alguns tostões para depositar na poupança. Depois do confisco, nem dinheiro para proteger sobrara. Cada centavo que aparecia virava pagamento de contas em atraso. Mas havia um investimento seguro: elefantes.

Fabricar e vender elefantes foi um negocião. Elefantes de louça, pedra, vidro, cristal… O povo tinha saudade do terremoto financeiro pré-confisco porque agora não tinha mais chão de tipo algum sob os pés. Elefantes de barro, madeira, metal, sabonete… O Brasil abusara do direito à imprevisibilidade. O jeito era apoiar-se em simpatias. Verdadeiras manadas de paquidermes trombudinhos deixavam as lojas. O detalhe das trombas, que precisavam estar com a ponta para cima, era tão importante quando o lugar onde esses bibelôs eram postos. Para atrair dinheiro, os amuletos precisavam ficar dentro de casa, com o traseiro voltado para a porta de entrada.

A simpatia era antiga, mas virou moda e ganhou variações. O número de elefantes passou de um para três e, daí, para quanto mais melhor. Não bastava mais estarem sobre um móvel qualquer, precisavam ficar dentro de um prato com moedas, ou de uma bandeja com maçã e mel. Alguns ganharam velas brancas, amarelas e azuis. As velas comuns passaram a ser de sete dias. O sincretismo religioso chegou ao auge quando pequenas estatuetas de Buda (de louça, metal, cristal…) começaram a aparecer de costas para a porta de entrada, nas salas de visita.

Em 2012 os tempos são outros. Há uma tremenda crise internacional que só agora começa a chegar ao Brasil. Os elefantes continuam, mas dividem espaço com os “Maneki Neko”. Sim, você já viu um, é aquele Gato da Sorte com uma das patas dianteiras erguida, como se acenasse, ou até com ambas as patas ao alto, como se estivesse sendo assaltado. Quanto mais levantada a pata, mais dinheiro o gato atrai. Antes encontrávamos esses bibelôs em estabelecimentos comerciais de japoneses e seus descendentes. Agora começam a ocupar a sala de quem nem sabe que “neko” quer dizer “gato” em japonês.

As modas costumam se substituir. Se os elefantes permanecem e os gatos da sorte chegam, o que estará caindo em desuso no mundo das simpatias financeiras? Resposta: os cofrinhos de moeda, em qualquer formato. Guardar moedas afasta o dinheiro grande. A explicação místico-psicológica até faz sentido. Quem quer dinheiro de verdade não deve acumular centavos. Se você guarda moedas, sente que já economizou o suficiente e agora está livre para gastar quantias maiores. O ideal seria ter somente as moedas necessárias para pequenas despesas. As que sobrarem devem ser trocadas por cédulas o mais rápido possível. Cofrinho é atraso de vida, moeda é migalha e quem vive acumulando migalhas vai ser sempre pobre.

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Carla Ceres é escritora

14 thoughts on “Investindo em elefantes e gatos

  1. Acumular? E… sobra para isso? Penso em adquirir um “macaco” pra ver se a sorte pula de galho em galho e aumente minhas migalhas… Ou, um bem-te-vi que ficará esgoelando: “…ti vi ti vi…” e na certa atrairá belas notas… Que tal?
    Bjs. Célia.

  2. É como na história do elefantinho Dumbo, lembra? O ratinho falou pra ele que se segurasse o raminho mágico, conseguiria voar… e ele só voava com o raminho e até caía sem ele, até descobrir que o segredo eram suas gigantes orelhas.
    Beijo!

  3. Olá Carla, e que tudo esteja bem contigo!

    Apenas digo que nunca me dei ao trabalho de guardar dinheiro, até pelo motivo de que nunca sobrou nada para ser guardado em algo parecido com cofre ou poupança, e, dinheiro foi inventado para ser gasto pois, ninguém vai colocar qualquer um destro da urna para levar ao fim!

    A imagem está bem engraçada!
    E tem sido sempre assim que por cá venho, encontro muito bons textos para ler e divertidas figuras para admirar, parabéns Carla, e obrigado por compartilhar com os amigos. E assim deixo meu agradecimento por tua amizade e visitas, e meu desejo que você e todos tenham um viver de intensa felicidade, abraços e até mais!

  4. Prezada Carla, como sempre você nos oferece um texto sugestivo, carregado de imagens e símbolos… Mesmo um tema tão áspero ganha beleza – sem perder a dimensão crítica – em suas abordagens.

    Esteja bem!

  5. Primeiro que eu não sabia haver atraso na coisa dos cofrinhos e isso me fez lembrar amiga de muito tempo que insiste em dizer que aquários dão azar. Segundo que eu tenho cofrinho onde guardo moedas, só das grandes, e gosto de aquário, ainda que pequeno. Dinheiro tenho nenhum, aperto dito franciscano. Mas tenho lá minhas simpatias e uma fé que nem te conto.
    Cadinho RoCo

    1. Essa história dos aquários é novidade pra mim, Cadinho. Talvez não deem sorte pros peixes que ficam lá presos. 🙂 Obrigada pelo comentário e BOA SORTE!

  6. OI CARLA SERES!
    MUITO LEGAL TEU TEXTO.
    SENTIMOS ISTO NA FAMÍLIA, UMA TIA COM BASTANTE IDADE, VENDEU UM AP,PARA COLOCAR O DINHEIRO NA POUPANÇA, E JÁ SABES O FINAL, POR SORTE NÃO MORREU, MAS FOI UM CAOS.
    ABRÇS

    zilanicelia.blogspot.com.br/
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  7. Um grade amigo morreu, no confisco da poupança. Fui confiscada
    e nunca mais quis poupar…tudo que entra, sai, na mesma medida, claro.
    Suas crônicas são ótimas, mesmo com tema pesado, são leves…Muito bom!
    Beijo!

    1. Obrigada pelo comentário, Lúcia! Depoimentos assim são importantes porque os mais jovens, quando nos ouvem dizer que pessoas morreram, pensam que estamos exagerando. Tentei dar leveza a um assunto que não devemos esquecer. Se você diz que consegui, fico contente. Beijos!

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