Em tempos de chuva sólida – por Carla Ceres

Em tempos de chuva sólida – por Carla Ceres

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Sábado, às três da tarde, o telefone tocou. Era minha mãe, apavorada, ligando do bingo: “Corre que vai chover! Tira as plantas do quintal! Cobre o limoeirinho! Põe os cachorros pra dentro! Corre!”

Nenhuma palavra sobre tirar as roupas do varal. Preocupar-se com lençóis e fronhas pendurados para secar estava fora de cogitação. Essa advertência corriqueira − que fizera sentido até o ano passado, quando a chuva ainda era líquida – fora desbancada por desesperos mais sólidos.

Estamos vivendo um evento que só acontece a cada três mil trezentos e setenta e oito anos, uma seca sem precedentes na Era Cristã. Sim, segundo os meteorologistas, nunca antes na história do cristianismo (nem do islamismo, por sinal) se viu tamanha greve de chuva nos céus do Sudeste brasileiro. Este ano, os engarrafamentos da capital paulista não se devem mais a generosas pancadas de chuva ácida, mas a manifestações contra a Copa do Mundo de Futebol e à chuva sólida, de granizo.

As pedras de gelo do último domingo só derreteram na quarta. Meu pastor alemão, o Arquimedes, está com um galo na cabeça porque resolveu enfrentar o granizo. Todas as plantas se feriram. Uma perdeu o vaso, que se espatifou quando o Arquimedes entrou em casa, ganindo de dor. e esbarrou nele. Agora minha mãe decidiu que todos os vasos têm que ter rodinhas para ser rapidamente removidos do quintal, em caso de chuva. Até o skate dos netos entrou na dança, virou suporte/transporte de bonsai.

charge-granizoO limoeirinho é um caso à parte, pois está plantado no chão. Não podendo levá-lo para dentro de casa, mamãe aprisionou-o num cercado de tela improvisado, com teto removível, feito de lona. Os netos adoraram a construção. Dizem que ficou tão cheia de curvas que nem Niemeyer faria melhor. Costumam chamá-la de galinheiro conversível.

A chuva de sábado não veio nem sólida nem líquida. Só ameaçou. Escureceu o céu, ventou, esfriou e foi embora. Pura provocação para nos desaforar e matar minha mãe e os cachorros de susto. Do festival de granizo, nem uma única pedrinha caiu no sistema Cantareira, que nos abastece de água. E, por falar em água, ontem as torneiras ficaram secas por algumas horas. Dizem que não é rodízio, apenas coincidência. Também dizem que não haverá necessidade de racionamento.Sei, sei.

Acontece que, em ano de eleição, os políticos dão nó em pingo d’água para evitar notícias desagradáveis. Se tivermos juízo, devemos ignorá-los e economizar o máximo possível. Os meteorologistas não previram o granizo. Ninguém garante que suas previsões de melhoras pós-eleitorais se realizem.

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carlicatura Carla Ceres

 

 

 

 

 

Carla Ceres é escritora

11 thoughts on “Em tempos de chuva sólida – por Carla Ceres

  1. Divertidíssima sua crônica, Carla! O pior foi por aqui que um colaborador chegou e nos disse: – Olhe minha gente, tá chovendo granito!! Dá pra imaginar a gargalhada, né?! Agora, o sofrível é que com essa falta d’água, os políticos “ficha suja” não terão o precioso líquido para faxinar a “tal ficha”… [ risos ]
    Beijo.

  2. Ótima crônica. Carla. Parabéns.
    O tempo anda maluco mesmo, este mês de setembro em Pernambuco costuma ser quente (aliás hoje está mais tépido) mas as chuvas e umidade dos últimos dias pegou todos nós de surpresa. Nos quase 12 anos que estou morando aqui ainda não vi chuva de granizo. Não posso dizer que tenho saudade. Quando eu era moleque achava que era chuva de “granito”(pode?).
    Abração.

  3. oi Carlinha,

    incrível essas mudanças climáticas,
    aqui em casa meu jardim ficou em ferido depois dos granizos de maio,
    os bonsais do Nilson se ressentiram muito,
    minha flor de maio se foi pra sempre,
    e o meu vaso de beijos,desfaleceu…
    todo o resto ainda estamos tentando recuperar…uti à todos…

    beijinhos

  4. Estou precisando trocar a lona de um toldo, mas, na atual conjuntura, não tenho coragem de fazê-lo. Já pensou, Carla, acabar de trocar o dito e cair uma chuva de “pedras” do tamanho de ovos? Se o Arquimedes quase morreu, imagine como ficará o toldo …
    Bela crônica, beijos!

  5. Nossa, Carla. Acho que o país todo está assim ansioso por uma chuvinha. De preferência, líquida, mas pode vir em outro estado, sim.
    Tadinho do Arquimedes…

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