Tímidos anônimos – por Carla Ceres

Tímidos anônimos – por Carla Ceres

A Texto

A webcam estava ligada. Respirei fundo e li: “Meu nome é Ninaldo e hoje eu não corei”. O papel, com o minidiscurso que eu preparara e, por segurança, imprimira, repousava sobre o teclado do computador. “Boa noite, Ninaldo!”, responderam, em coro, meus companheiros. Frequento uma comunidade virtual de tímidos anônimos e já estou (há três dias in-tei-ri-nhos \o/) sem me acanhar. Tá certo que também faz três dias que não interajo com estranhos, no mundo real. Demorei a admitir que precisava de ajuda. Antes do grande desastre, só me considerava discreto, reservado.

Não existe um tímido que não tenha sido protagonista de pelo menos um vexame apocalíptico e de inúmeras catástrofes menores. Claro que, para nós, qualquer vergonhazinha, dessas que um cara de pau tiraria de letra, vira uma hecatombe cósmica. Quer um exemplo? Paquerei uma garota durante dois anos. Funcionária de um restaurante de comida por quilo, minha deusa da balança pesava meu prato cinco vezes por semana e sempre me dizia “Bom apetite!”, com um sorriso insinuante. Eu corava, sorria sensualmente e agradecia sem prolongar a conversa. Aquele nosso jogo erótico me deixava de pernas bambas. Resolvi tomar uma atitude, elogiá-la. “Que lido o seu… o seu…” Travei. O que eu devia dizer? Cabelo? Não, ela estava de touca. Sorriso? Não, ela usava aparelho nos dentes. “Que lindo o seu av…”, quase digo avental. “Que lindo o seu… a-a-anel”, conclui. “Ah, você reparou!? É meu anel de noivado”, respondeu a cínica, com um sorriso enorme.

“Noivado? Noivado com quem?”, perguntei zonzo. No fundo, no fundo, eu esperava que ela dissesse alguma coisa como “Com você, seu tonto”. Nós já quase namorávamos havia tanto tempo que aquela resposta absurda até me pareceria plausível. Talvez ela quisesse me dizer que estava na hora de nos entregarmos às loucuras de um relacionamento oficial. Quem me dera! Um dos garçons chegou, abraçou a minha garota e respondeu por ela: “Nós ficamos noivos no sábado passado. Pode me dar os parabéns”. Aquele rapaz magrelo, praticamente um gafanhoto com acne, ficou ali, me estendendo a mão, à espera de felicitações. Ouvi o chão me dizer “Desmaie aqui, meu amigo. Só assim o mundo vai parar de rodar”. Não desmaiei. Consegui me controlar. “Ah, você que é o noivo?”, perguntei com um sorriso trêmulo. Não satisfeito, resolvi parabenizá-lo. Apertei sua mão e, horrorizado, ouvi meus lábios dizerem “Bom apetite!”

Você pensa que esse foi meu grande desastre? Que nada! O grande desastre, eu nem te conto. Ou talvez conte… mais tarde.

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carlicatura Carla Ceres

 

 

 

 

 

Carla Ceres é escritora.

14 thoughts on “Tímidos anônimos – por Carla Ceres

  1. Tanta timidez assim, existe mesmo? Poxa, é só valorizar algo em si mesmo, erguer a cabeça e mandar ver, isto é, enfrentar a situação… Também funciona pensar assim: “Ninguém é melhor do que eu”, hahaha!!! Não é assim, Carla?
    Valeu, amiga!
    Beijo!

    1. Existe, sim, Shirley. Muitos tímidos sentem que a própria timidez os inferioriza. Mas seu conselho é muito bom. Vou praticar. 🙂 Beijos e obrigada!

  2. Olá Carla e que tudo esteja bem contigo!

    Pois é, a timidez em muitos momentos coloca o tímido em desastrosas situações, e também não é somente o que dizem. Que quem diz o que quer ouve o que não quer, pois esta tua crônica demonstra que quem não diz o que sente, também ouve e presencia o que não desejou jamais!
    E assim me vou sempre grato por compartilhar tuas belas criações que com muito bom humor deixa sempre um recado, e também grato por tua amizade e visitas, e deixo meu desejo para que seja sempre deveras intenso o teu viver, um grande abraço e, até mais!

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